Desenvolvendo uma web acessível
Protocolos e diretrizes orientam o desenvolvimento de tecnologias acessíveis, mas é preciso olhar para além de tudo isso
Acessibilidade se tornou uma tendência no ecossistema tecnológico mundial, diversas empresas passaram a adotar critérios de desenvolvimento acessível em seus projetos — por uma questão prática ou por exigências legais —, no entanto, ainda faltam recursos e consciência do que de fato é inclusivo na internet para pessoas com deficiências.
Para abordar este tema, é preciso ter uma perspectiva cultural sobre o assunto, não encará-lo apenas na ótica técnica ou prática. Acessibilidade passou a ser vista como um desafio (ou tendência) para o ecossistema tech e não como filosofia natural daquilo que condiz com os princípios básicos da web: acessível para humanos. Tal afirmação está na W3C.
"A Web é, fundamentalmente, projetada para funcionar para todas as pessoas, independentemente de máquina, programas, língua, cultura, localização ou capacidade física ou mental de seus utilizadores. Quando a web atende a esses requisitos, ela se torna acessível a pessoas com dificuldades auditivas, motoras, visuais e cognitivas".
Há uma série de diretrizes e legislações que orientam o desenvolvimento de tecnologias acessíveis. Uma dessas diretrizes é a Web Content Accessibility Guidelines (WCAG 2.0), publicada em 2008 pela W3C e traduzida recentemente, sendo um documento que apresenta uma série de recomendações para tornar o conteúdo disponível na web acessível para pessoas com deficiências e idosos.
No Brasil o assunto se tornou exigência a partir de 2004, com um Decreto Federal que obriga sites da administração pública incluírem recursos de acessibilidade para pessoas com deficiências visuais. Em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência)torna obrigatória a acessibilidade em sites da web mantidos por empresas privadas e órgãos governamentais.
“Art. 63. É obrigatória a acessibilidade nos sítios da internet mantidos por empresas com sede ou representação comercial no País ou por órgãos de governo, para uso da pessoa com deficiência, garantindo-lhe acesso às informações disponíveis, conforme as melhores práticas e diretrizes de acessibilidade adotadas internacionalmente.”
Apesar de haver legislações e um guia robusto de boas práticas, reconhecido internacionalmente, acessibilidade ainda é vista apenas como um recurso técnico legal — cuja interpretação parece ser algo “extra” e não fundamental para sites e aplicações —, deixando de ser prioridade e tratada como um mero desafio na realidade de quem programa e quem acessa a internet.
O que é acessibilidade, afinal?
Para entender o que é acessibilidade, vamos unir três termos que se interligam e estão conectados de alguma maneira: acessibilidade, usabilidade e inclusão. Seguindo a cartilha da W3C temos as seguintes definições:
→ Acessibilidade na web significa, em linhas gerais, que uma pessoa com deficiência pode igualmente perceber, entender, navegar e interagir com sites e ferramentas disponíveis na internet.
→ Usabilidade está na esfera da experiência do usuário (UX) e é sobre desenvolver produtos para serem efetivos, eficientes e satisfatórios em aspectos gerais que impactem todas as pessoas.
→ Inclusão é sobre diversidade e garantir envolvimento de todos na maior escala possível. Por isso é direcionado para uma série de questões, incluindo: acessibilidade para pessoas com deficiência; acesso à internet e tecnologias (inclusão digital); situação econômica (recorte de classe); gênero e raça; educação; cultura; entre outros.
Para Alexandre “Magoo” Santos Costa (Customer Engineer @ Microsoft) e Camila Marinho Garcia (Analista de Qualidade @ Itaú), ambos com deficiência visual, existem dois passos fundamentais para a adesão destas três definições: saber como utilizar adequadamente as ferramentas de design e desenvolvimento visual; e entender os padrões internacionais que ditam regras de usabilidade.
“Antes de qualquer coisa, acredito que mais de 80% de acessibilidade é sobre boas práticas.” É uma das reflexões de Camila durante a sua participação no podcast Faladev, da Rocketseat.
É natural que estas definições estejam conectadas no desenvolvimento de soluções para a web. É por isso que acessibilidade deve fazer parte desde a concepção prévia de qualquer tecnologia a ser desenvolvida, justamente por também envolver múltiplas camadas de usabilidade e inclusão.
Para Camila, “o profissional que trabalha com acessibilidade deve estar envolvido desde a concepção da funcionalidade, seja ela qual for. Se o projeto não for pensado em acessibilidade, o/a dev vai literalmente ‘apagar fogo’ no final.”
Reforçando o conceito de que todas as tecnologias da web devem ser igualmente acessadas, percebidas, entendidas e navegadas, Alexandre diz que “só estou sendo verdadeiramente incluído se eu uso o mesmo site ou aplicação que todo mundo”.
Quer ficar por dentro da conversa completa sobre acessibilidade no desenvolvimento web? Confira o episódio na íntegra.
Acessibilidade para todos
A proposta de desenvolver uma cultura de programação voltada para acessibilidade faz sentido para inserir usabilidade e inclusão no processo de tornar a web universalmente acessível.
Acessibilidade deve ser reconhecida não apenas quando há opções ou recursos adicionais que customizem a experiência do usuário, mas quando fundamentalmente faz parte do processo de design de qualquer produto.
Para o Youtuber Steve Saylor, do “Blind Gamer”, "tecnicamente quando acessibilidade fez parte do processo inicial de design, você não vai precisar de muitas opções customizáveis de acessibilidade porque já é algo construído nas funcionalidades originais.”
Confira o trecho completo no vídeo abaixo.
Na internet existem uma série de ferramentas que auxiliam e avaliam se sites da web estão de acordo com as orientações da WCAG.
No entanto, além de seguir rigorosamente uma série de protocolos, é necessário que devs e negócios que trabalham com tecnologia compreendam as múltiplas demandas sobre o tema.
Mais do que uma necessidade prática, é necessário o desenvolvimento de uma cultura da programação voltada para acessibilidade.